Ágora impressa
O século XX encontrou nas revistas a modalidade apropriada à criação, circulação e discussão de ideias da sua época.
Os homens e as mulheres das letras e das artes novecentistas converteram os quinzenários e os mensários que fundaram nos órgãos dos movimentos de doutrina, sensibilidade e intervenção cívica que moldaram a história cultural e política do seu século.
Os títulos mais representativos distinguiram-se por agregarem autores reputados em torno de programas próprios, ao mesmo tempo que formaram públicos fiéis e estabeleceram os termos dos debates de opinião e de gosto.
Supor, porém, que a convergência entre a atualidade das publicações periódicas e um pensamento que se desejava comprometido com a sua circunstância se saldou por resultados efémeros é um engano.
As revistas teceram tanto o trânsito histórico quanto acumularam um legado cultural vultuoso, pois o que releva nas páginas dos seus títulos significativos é o desígnio de unir a reflexão e a criação idóneas à vida e à comunidade, o que lhes confere um alcance simultaneamente universal e próximo.
Os muitos livros que coligiram peças literárias, ensaios, artigos e manifestações plásticas inicialmente publicados em revistas, editados e reeditados década após década, testemunham-no de forma inequívoca.
Quando as fontes são o obstáculo
As publicações periódicas que serviram de verbo consciente e retórico ao devir contemporâneo revelaram uma índole complexa e obrigam a estudo ingrato: os títulos mostram-se numerosos, as coleções das suas edições, por vezes, extensíssimas, as autorias, os conteúdos e os registos muito variados, os percursos editoriais incertos e atreitos a metamorfoses.
Entre o reconhecimento das revistas como fontes primordiais da cultura e da política do século XX e a abordagem metódica do seu teor ergue-se, assim, um dos obstáculos maiores do saber histórico contemporâneo.
Se a reedição singela destes periódicos confirma a atenção que justificadamente têm granjeado, o mérito de tornar as suas coleções acessíveis só responde a uma parte, a seu modo preliminar, do problema que, em si mesmos, encerram.
Aspetos metodológicos
A abordagem e reprodução eletrónica das revistas de ideias e cultura torna indispensável, nos nossos dias, conjugar três domínios disciplinares distintos, mas convergentes: a história das ideias e da cultura, as ciências da informação e a edição digital.
Ao saber historiográfico pede-se a identificação dos títulos representativos, assim como a elucidação dos critérios de inventariação dos conteúdos, nomeadamente nos foros da interpretação temática e conceptual.
Das ciências da informação, em particular da biblioteconomia, recolhem-se os fundamentos e os procedimentos padronizados de análise e de registo das peças publicadas.
A concretização das virtualidades das humanidades digitais envolve tanto o desenho de aplicações e de bases de dados específicas quanto a definição das modalidades de consulta das coleções.
Navegar
O Portal Revistas de Ideias e Cultura (RIC) tem por objetivo proporcionar o acesso às revistas dos movimentos culturais e políticos mais representativas da história portuguesa e da história brasileira do século XX de acordo com o conhecimento constituído e o estado da arte da edição digital.
Faculta-se a consulta de coleções completas seja através do folheio dos números editados seja por intermédio de índices de autores, de conceitos, de assuntos, de autores citados, de obras citadas e de locais. Permite-se ainda o exame conjunto das peças publicadas nos diferentes títulos de um mesmo movimento cultural, assim como a pesquisa na totalidade das bases de dados.
Disponibilizam-se, igualmente, seleções variadas e extensas de documentos e de estudos tanto sobre o universo das revistas de ideias e cultura portuguesas e brasileiras do século XX quanto acerca de cada um dos títulos reproduzidos.
Supõe-se que a descrição sumária e a elaboração dos analíticos das peças impressas nas coleções republicadas constituem não só modalidades adequadas de abordagem e de sistematização da informação contida em cada título como representam também os procedimentos que facultam uma acessibilidade conforme aos recursos técnicos disponíveis.
É de registar, ainda, que RIC é um portal necessariamente inacabado, composto por objetos de estudo plurais, embora conexos, que se podem encontrar em planos de abordagem e de elaboração distintos.
Uma nova história cultural?
Ao permitir compulsar coleções de revistas, em alguns casos de acesso difícil, mesmo nas instituições de referência, e ao fornecer meios inéditos para a sua consulta, o Portal RIC tem a pretensão de contribuir para que a leitura circunstancial e a investigação cultural objetivem problemas, temáticas e métodos inovadores no âmbito da abordagem às fontes complexas que reproduz.
Supõe-se que a sistematização da informação resultante da análise do conteúdo das peças publicadas nas revistas reproduzidas venha possibilitar que as representações consabidas a seu propósito sejam testadas, que a resposta a questões suspensas e a novas interrogações se torne viável, que as monografias e as sínteses correntes se vejam acompanhadas por cruzamentos e mapeamentos pluricêntricos.
Embora indiciadas de forma sumária, advinham-se, também, hipóteses de investigação muito interessantes no âmbito da interpretação das distribuições quantitativas dos elementos contidos nas bases de dados.
A investigação desenvolvida define uma proposta de estudo e de reprodução de periódicos, aperfeiçoável pela crítica e pela experiência, que se pretende submeter ao escrutínio das comunidades académicas que se ocupam das humanidades, assim como vir compartilhar com os leitores que considerem os seus pressupostos e as suas ferramentas pertinentes.
É de sublinhar, por fim, que o Portal RIC é dedicado pelos investigadores do Seminário Livre de História das Ideias a todos aqueles que tomam o legado reflexivo, livre e inconformista da cultura contemporânea como fonte de inspiração pessoal e cívica.
Luís Andrade