Dados editoriais
Ao final da década de 1920, com a Revista de Antropofagia, São Paulo voltou a sediar um periódico vanguardista. De teor mais polêmico do que as investidas anteriores, a publicação questionou o movimento modernista e propôs outros caminhos, postura que marcou discordâncias e cisões. O título da revista foi inspirado no quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral, que ilustrou o Manifesto Antropófago, assinado por Oswald de Andrade, e expressou os propósitos do periódico. A revista teve dois momentos, com características distintas.
Na primeira fase, circulou mensalmente de maio de 1928 a fevereiro de 1929, somando 10 números, com Antônio de Alcântara Machado na direção e Raul Bopp na gerência. O endereço era a Rua Benjamin Constant, 13, 3.º pavimento e sala 7, Caixa Postal n.º 1.269. Não há dados sobre a tiragem e, no que respeita ao preço, o número avulso custava $500, com oferta de assinatura anual a partir do n.º 4 no valor de 5$000. Em termos gráficos, a revista não apresentou grandes inovações e, nessa primeira fase, foi publicada no formato 32 por 22,5 cm com oito páginas. Além do Abaporu de Tarsila, outros materiais iconográficos figuraram na revista, a exemplo dos desenhos de Rosário Fusco, Antonio Gomide e da argentina Maria Clemencia, bem como reprodução de partituras e fac-símiles dos autógrafos de Krishnamurti e Max Jacob.
A segunda fase, jocosamente nomeada de 2.ª dentição, surgiu pouco tempo depois, em março de 1929. Entretanto, as alterações foram profundas, a começar pela denominação, que passou a exibir o subtítulo “órgão do clube de antropofagia”, alterado a partir do quinto número para “órgão da antropofagia brasileira de letras”. Do formato, passou-se a uma página semanal publicada no jornal Diário de São Paulo. Vieram a público 16 páginas, entre 17 de março a 1 de agosto de 1929, mantendo-se como endereço a já citada caixa postal. Alcântara Machado afastou-se e Raul Bopp alternou-se na direção com Jaime Adour da Câmara, cabendo a secretaria da redação a Geraldo Ferraz, denominado açougueiro por responder pela diagramação da folha. Aliás, um ponto de destaque é o arrojo da apresentação, que explorou as possibilidades do suporte jornal. Também compunham o corpo editorial Oswald de Andrade e Oswaldo Costa. Nessa fase, a revista estampou colaboração eventual de desenhos e reprodução de obras assinadas por Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cícero Dias e Patrícia Galvão, a Pagu.
O conteúdo da revista estava em sintonia com os propósitos antropofágicos, que se distinguiam pelo empenho crítico e radicalidade dos ideais vanguardistas. A paródia deu o tom da publicação, que fez do riso sua arma de combate, sem poupar nem mesmo aqueles que, a princípio, partilhavam dos valores antropofágicos, como Mário de Andrade e Alcântara Machado. Se a primeira fase foi marcada pela presença de ampla rede de colaboradores, de diversos estados e grupos modernistas, na segunda fase as contribuições rarearam, em parte pela ousadia das posições assumidas, o que acirrou as tensões e distanciamentos da antropofagia. Não por acaso, cresceu o número de pseudônimos na folha antropofágica, que corroboravam com o escárnio. A efemeridade é característica nas revistas modernistas, mas a postura assumida pelos responsáveis contribuiu para o fim da publicação, seja pelas rupturas causadas no interior do próprio movimento ou pelas críticas que o Diário de São Paulo recebeu de seus leitores, descontentes com a veiculação deste tipo de conteúdo em suas páginas.
Luciana Francisco